sexta-feira, 13 de março de 2015

"Queremos pertencer a este País"

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Texto Paulo Barriga Fotos José Ferrolho, in Diário do Alentejo, 13-03-2015, on line

DA: "Acabámos de chegar a Barrancos. É sempre um verdadeiro poema conduzir até aqui…
AT: É sempre uma dificuldade tremenda. Estamos no fim do mundo, como tenho dito tantas vezes. Este ostracismo a que estamos votados por parte do poder central e, neste caso particular, por parte da empresa Estradas de Portugal, é sintomático. Querem, no fundo, que permaneçamos esquecidos no seio de Portugal e isto não pode ser. 

Trata-se de uma fatalidade?
Não! Vamos tomar posições mais drásticas não tarda muito. Sentimos que estamos a ser relegados para segundo plano. Ou seja, sentimos que não pertencemos ao nosso próprio País, ao nosso Portugal, o que é ultrajante para as pessoas que vivem em Barrancos. Não se pode promover o desenvolvimento desta região sem boas acessibilidades. Temos a melhor fábrica de presuntos que existe, a par de muitas outras médias e pequenas fábricas disseminadas pelo perímetro da vila, e é necessário escoar o produto, exportar. A Barrancarnes, a título de exemplo, no ano passado teve um volume de negócios de sete milhões de euros. Isso quer dizer alguma coisa. Sem boas acessibilidades isto corre o risco de se perder.

Que medidas “mais drásticas” serão essas? 
Não sei, ainda estamos a pensar. Já fizemos todo o tipo de exposições a todo o tipo de entidades, seja ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, à Estradas de Portugal, seja a entidades regionais… E o que é facto é que até hoje não têm feito nada.

Está-lhe a ocorrer alguma forma de protesto mais veemente?
O que me ocorre é que a população vai ter de sair à rua em grande massa. De uma vez por todas, isto tem de acabar. Queremos pertencer a este País, queremos ser portugueses de facto.

Em dezembro foi falar com o secretário de Estado das Obras Públicas o que trouxe na bagageira na sequência dessa reunião?
Nada! Não trouxemos nada, absolutamente nada, o que é mau. Para nós, trazer uma mão cheia de nada, foi um insulto. Aliás, Barrancos e Almodôvar ficaram de fora do plano de investimentos da Estradas de Portugal para 2015, o que quer dizer que não estão minimamente preocupados connosco, nem com a segurança daqueles que transitam nestas estradas.

O isolamento continua a ser a grande inquietação do autarca de Barrancos ou há outras preocupações que também o assaltam?  
Neste momento, o isolamento a que estamos votados é, possivelmente, a nossa maior preocupação. E, depois, há as questões do desemprego, as questões sociais, que são transversais a todo o País neste tempo de grande crise.

Sempre que se fala em “reorganização territorial”, Barrancos vem logo à baila. Isso incomoda-o?
É algo impensável. É um tema recorrente por parte de pessoas que não têm a mínima visão do que é o interior deste País. No momento em que acontecesse uma situação desse tipo acabava Barrancos. É bom ter isso em conta. Apesar de se dizer que já não há fronteiras, elas existem. Hoje as fronteiras são identitárias e não físicas ou políticas.  

Barrancos é uma espécie de “embaixada identitária” de Portugal no interior de Espanha?
É mesmo! O caso de Barrancos é conhecido em todo o mundo. Trata-se de uma comunidade com uma independência moral muito forte, uma autonomia que transcende tudo o resto. A nossa fala, a nossa língua, a nossa identidade cultural em termos de usos e costumes, mas também as nossas atitudes e ações ao longo da história dizem isso. 

Algo que escapa ao poder central…
Sabe que o poder central tem uma visão centralista em relação ao resto do País. Isso não pode ser… 

Considera que se impõe uma regionalização do território?
A regionalização foi uma oportunidade que se perdeu em determinada altura. Agora também não sei se será viável, como diria o outro. É necessário ter algum cuidado quando se fala da regionalização. 

Como assim? Está satisfeito com a solução encontrada em gabinete? Com a criação das comunidades intermunicipais?
Acho que é a solução possível neste momento. Mas também não resolve nada do outro mundo. Penso que teria de haver alguma autonomia por parte das regiões e não era esta a “regionalização” que nós queríamos, naturalmente. Digamos que as comunidades intermunicipais têm um papel agregador dos municípios que as compõem, no sentido de possibilitar políticas comuns. Mas não vai muito além disto. Tem de existir muito mais autonomia em termos financeiros e em termos políticos. 

Passou há pouco tempo na Assembleia Municipal de Barrancos a intenção de a autarquia contrair um empréstimo para financiar o plano de regeneração urbana da vila. No que consiste este plano e quanto dinheiro está envolvido?
Trata-se de um empréstimo muito pequeno, na casa dos 400 e poucos mil euros. Neste plano vamos abranger as zonas principais do centro histórico da vila e também as áreas circundantes, nomeadamente o acesso ao parque de feiras e exposições, ao cineteatro, ao polidesportivo, ao campo de futebol, às piscinas municipais. Iremos repavimentar essas artérias e colocar algum mobiliário urbano para dignificar a parte nobre da vila.

Alguma vez se sentiu tentado a aceitar a proposta do Governo de descentralização de competências, nomeadamente na área da saúde?
Sabemos que os governos não são bons cumpridores, como tal, a nossa posição é que sem dotação financeira compatível, sem garantias em termos de futuro e em termos de empregabilidade, não vamos aceitar nada. Somos frontalmente contra este tipo de situações. Os municípios devem ter a sua autonomia e não assumir competências de outrem sem garantias de nada.

Falei em concreto da saúde porque o Centro de Saúde de Barrancos fecha às cinco e meia da tarde e aqui poderia haver uma possibilidade de alargar o horário de funcionamento até às oito horas, pelo menos…
Sabemos pela experiência passada e recente que, de facto, não há condições para assumir novas competências. Embora as autarquias as assumam de outra forma. Já nos substituímos ao próprio Estado quando assumimos em Barrancos a abertura do centro de saúde ao fim de semana. É um grande encargo para a câmara municipal. Fazemo-lo com todo o gosto, porque está em causa a própria população de Barrancos e isso para nós é sagrado…

Ainda há bem pouco tempo as crianças de Barrancos tinham que levar a vacina da BCG em Moura ou em Beja…
Estamos neste momento à espera da colocação de uma enfermeira, uma vez que uma das nossas profissionais foi para o Instituto de Oncologia e agora faz-nos uma falta tremenda. Estamos em contacto com a Administração Regional de Saúde e com a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, no sentido da resolução imediata deste problema. Queríamos também que houvesse mais um médico. Barrancos poderia e deveria ter dois médicos. Mas fazem por lá aquela contabilização do número de habitantes e pensam que um chega. O que não é verdade. Não se trata de uma questão meramente económica, é uma questão social e, acima de tudo, de atenção às famílias.

Está aí à porta a ExpoBarrancos, feira dos presuntos e enchidos. Esta continua a ser a principal área económica do concelho de Barrancos, ou tem sentido nestes últimos tempos que outras empresas se querem instalar aqui no concelho?
O problema foi a crise que sobreveio em 2011. Naquela altura tínhamos três investidores potenciais do lado espanhol para se instalarem em Barrancos. Com a história da crise, o medo foi tanto que e os dinheiros também não chegaram e essas pessoas foram-se embora. Mesmo assim, durante este período de crise, surgiu uma nova fábrica de presuntos, a Sabores de Barrancos.

O último mapa do Instituto de Emprego, em relação a Barrancos, dizia que havia 121 pessoas no desemprego. É um número preocupante para a realidade barranquenha?
Em Barrancos há desemprego, como o há em todo o lado. Mas aqui a parte social é muito melhor vista, porque nós ajudamos, seja de que forma for, as famílias, no sentido de que não haja aquele tipo de necessidades tremendas que há em muitas zonas do País. Aqui não há fome, nunca houve fome, mesmo nos tempos do fascismo, porque as pessoas são muito solidárias.

Que papel desempenha a autarquia neste quadro?
A câmara municipal, como representante máxima desta comunidade, tem de ser muito mais solidária e é o que está a acontecer, naturalmente. Temos programas de apoio, seja a nível de parcerias com o Instituto de Emprego, seja propriamente com as associações do concelho. Há aqui um apoio efetivo…

A solidariedade faz parte da tal “identidade” de que há pouco falava?
É verdade! Mas, já agora, deixe que lhe diga que aquele desemprego que se fala estatisticamente, aqui, em Barrancos, não é bem assim… É claro que quereríamos e gostaríamos de arranjar emprego para toda a gente que passa por casos, digamos, episódicos, de desemprego…

O desemprego costuma ter impacto na natalidade e na evolução demográfica…
Em Barrancos houve mais nascimentos no ano passado! Tivemos 16 nascimentos, o que é muito bom, tendo em conta os nossos apoios e tudo o mais. As famílias pensam também fixar--se nesta terra e isso é muito importante. Existirem casais jovens que querem residir aqui, que não querem sair, para nós é uma responsabilidade dupla. Obriga-nos a arranjar soluções em termos de empregabilidade desta gente, a pensarmos no futuro desta gente, porque é o futuro da comunidade que está neste momento em jogo.

Inauguração do largo
Tenente António Seixas
Este sábado, 14, pelas 16 horas, o antigo largo da Adua, no coração do típico bairro do Cerro, em Barrancos, passa a chamar-se largo Tenente António Augusto Seixas. Uma homenagem não apenas a este militar da Guarda Fiscal que em 1936 evitou que mais de um milhar de refugiados republicanos da guerra civil espanhola tivessem sido executados, como a “toda aquela solidária gesta barranquenha”. Na ocasião será ainda inaugurado um monumento alusivo à efeméride, onde consta um painel em alto-relevo esculpido pelo artista plástico barranquenho Zandre."

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