quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Deputados envergonhados com o estado das estradas de Barrancos

As estradas de Barrancos geraram forte discussão no parlamento tendo alguns deputados ficado envergonhados com o seu estado e por terem ouvido comentários desagradáveis da parte de personalidades inglesas, que por cá teriam passado!
Há quanto tempo discutimos em Barrancos o problema das estradas? um ano? Cinco anos? Uma década?
Não! Este problema persegue-nos há pelo menos 100 anos!
Hoje, mutatis mutandis  a situação é a mesma que em 1911 envergonhava um nosso deputado da nação e disso deu conta no Parlamento aos seus pares e ao digníssimo ministro do Fomento (Obras Públicas), presente na sessão de 21 de Dezembro de 1911, que abaixo transcrevo na sua ortografia original:
Câmara dos Deputados – sessão de 21 de Dezembro de 1911
(Acta nº 15 – página 23)
(…)
Sr. Presidente, é indispensável que olhemos com atenção para o estado da nossa viação. Não só carecem de reparação as estradas de turismo internacional, como as estradas de turismo nacional. Não só as estradas de grande penetração como as estradas que cercam Lisboa e que servem todas as localidades dignas de serem visitadas, pelo valor dos seus monumentos ou pela beleza das suas paisagens. Todas elas estão, em geral, num estado lamentável, muitas estão mesmo intransitáveis.
Nos arquivos do seu Ministério encontrará o Sr. Ministro do Fomento uma representação que o Automóvel Club de Portugal dirigiu há dois anos aos poderes públicos e que muito o poderá elucidar sôbre o assunto.
Aí se mostra a necessidade de fazer a ligação entre Portugal e Espanha, em Barca de Alva.
Essa ligação é tão fácil como necessária. Falta apenas construir uma ponte sôbre o Douro, a estrada está construída, tanto do lado do nosso país como no país vizinho. A sua necessidade é tanto maior, quanto é certo que por ali seria a entrada dos touristes que viessem diretamente de Paris a Portugal. Há, é certo, "outras estradas de penetração, ao norte, nas nossas províncias do Minho e de Trás-os-Montes - Chaves e Valença. Delas se servem, na verdade, os excursionistas que vem de França e Espanha, mas não é menos verdade que tem de dar uma grande volta. Essas estradas são recomendadas principalmente aos touristes do norte de Espanha.
Vejamos agora o que se passa com as estradas de penetração, ao centro e ao sul do país.
Para os excursionistas que venham de Madrid e Cáceres, há a estrada de Segura Castelo Branco, talvez a melhor das nossas estradas internacionais, e a de Badajoz-Elvas. Depois disso não há mais nada.
De sorte que um automobilista que vá de Madrid a Granada, Málaga, Cadiz, Sevilha, e queira, depois de visitar essa região, tam cheia de beleza e de recordações históricas, entrar em Portugal para apreciar as encantadoras paisagens do nosso Algarve ou a riqueza do nosso Alentejo, não tem uma única estrada de que se possa servir. Porque, Sr. Presidente, essas duas províncias estão inteiramente isoladas do resto do país.
Sim, Sr. Presidente, por mais estranho que isto pareça a alguns dos meus colegas nesta Câmara, é certo que o Alentejo não está ligado com a Extremadura e que o Algarve está separado do Alentejo!
Há dois ou três anos vieram a Lisboa uns automobilistas ingleses. Depois de percorrerem uma parte norte do nosso país, dispunham se a ir visitar o sul e seguir para Sevilha. Por motivos que não careço de referir, êsses automobilistas, apaixonados touristes, sócios e um deles, até, director do Automóvel Club da Grã-Bretanha e Irlanda, dirigiram-se á mim para lhes indicar o itinerário que deviam adoptar. Com mágua, com infinita vergonha tive de lhes confessar que não podiam adoptar itinerário algum, porque não havia estradas de comunicação!
O único expediente que poderiam adoptar era transportarem os automóveis num vagão do caminho de ferro! E tive logo que os dispor para as dificuldades da travessia do Guadiana, entre Vila Rial de Santo António e Aiamonte, porque não há ali ferry boat e o transporte dum automóvel nos barcos ordinários é, alem de difícil, perigoso.
Confesso à Câmara que, se me envergonhei de fazer tais declarações, mais envergonhado fiquei ouvindo os comentários que os ingleses lhes fizeram.
Mas, Sr. Presidente, a comunicação entre Portugal e Espanha, ao sul do nosso país, é fácil, e só à incúria, á criminosa incúria dos governos se deve o não termos uma só estrada por onde o possamos fazer. Do lado de Espanha há uma estrada que liga Sevilha com Huelva e vem a Cortegana e Rosal da Cristina ou Rosal de la Frontera, povoação fronteiriça de Vila Verde de Ficalho, no concelho de Serpa. Pois bastava fazer a estrada de Ficalho à fronteira, uns três quilómetros, concluir a parte que vai daquela aldeia a Aldeia Nova de S. Bento, assim como alguns quilómetros da estrada de Serpa a Beja, e aí tinha-mos já uma soberba via de comunicação internacional, que de mais a mais ia beneficiar uma região tam abandonada e bem digna da protecção dos governos, como é o sul do Alentejo.
Para êste alvitre, que é ao mesmo tempo a satisfação duma grande necessidade e o cumprimento dum acto de justiça, chamo a particular atenção do Sr. Ministro do Fomento.
Mas eu continuo, Sr. Presidente, porque entendo que o assunto é de capital importância.
Vozes: - Apoiado, apoiado.
O Orador: - Concluída a estrada de Faro a Beja, e organizando um sistema seguro e bom de transporte entre Vila Rial de Santo António e Ayamonte, teríamos assegurado outra via importante de comunicação nacional e internacional.
Há ainda uma outra estrada de penetração e de comunicação com o sul de Espanha: é a de Sevilha, Fregenal de la Sierra, Encinasola, ligando com a nossa pitoresca vila de Barrancos, Moura, Vidigueira, Cuba, Ferreira e Lisboa. Nesta seria mester construir três trocos apenas, e bem pequenos: de Barrancos à fronteira, entre Moura e Ourada e entre Cuba e Ferreira.
Tais são, Sr. Presidente e Sr. Ministro do Fomento, as estradas que eu entendo que se devem construir ao sul do país para facilitar o excursionismo, para atrair a Portugal os touristes, que em tão grande número visitam Granada, Málaga, Cádiz, Sevilha, Córdova, e tantas outras cidades lindas de Espanha.
Eu bem sei, Sr. Presidente, que não basta apenas que tenhamos boas estradas para que em Portugal se possa cultivar e desenvolver a "indústria do estrangeiro". É necessário mais alguma coisa; torna-se indispensável que cuidemos também da remodelação dos nossos hotéis, de forma que ao menos nas principais cidades haja um bom hotel. Não é preciso que sejam muitos, porque sendo o nosso país pequeno e dado que haja boas vias de comunicação, como o meio de transporte adoptado pelos touristes é principalmente o automóvel, cora facilidade se transportam onde quer que haja um bom hotel, confortável, não só com boa mesa, mas, ainda melhor, com bons quartos e higiene perfeita.”
(…)
Depois desta discussão, as estradas melhoraram? Não.
Barrancos continuou sem estradas até finais da década dos anos 30 (Séc. XX), quando foi construída a estrada de Santo Aleixo da Restauração (EN 258).  A ligação à Amareleja (EN 386) só ficou completa em 1964 quando o Presidente da República, Américo Tomáz, veio fazer a sua inauguração.
Enfim, 100 anos depois daquela discussão no Parlamento, continuamos na mesma, mas agoras utilizamos as auto-pistas espanholas.... até Encinasola, e a partir daqui para Sul (Beja e Algarve) ou para Norte.
As ENs 258 e 386 que nos ligam ao resto de Portugal estão tão ou mais degradas como estariam os caminhos há 100 anos.

2 comentários:

romcadur disse...

Não nos ademiremos pois, que a Optimus, o Expresso e outro nos retirem dos seus famigerados mapas das estradas de Portugal.

A omissão de populações é melhor que a sus catastrofica situação rodoviária, daí as politicas de não integrar como roteiro.

Fomos, somos e seremos estigmatizados por politicas e politicos se se estão "nas tinta" como diria Cezário Verde.

Somos um povo "Barrancos" pacifico e "amochamos" sempre que nos menosprezam, HÁ QUE REAGIR DE FORMA FRONTAL, HÁ POLITICOS QUE SÓ CONHECEM A FORÇA DA RAZÃO QUANDO VEM QUE A RAZÃO TEM FORÇA.

Maria galhoz disse...

Somos e continuaremos sendo ignorados .Ésta na hora da nossa voz chegar até ra Belém e S. Bento , está na hora de tomarmos posição e em uníssono levantarmos a nossa voz.Olhemos para o exemplo que nos chega do Norte de África : O povo do Egipto cansou-se e quer tomar o destino nas suas mãos , será que o consegirá ? Não importa qual o desfecho desta contenda ,que ficará na História da luta dos povos pela liberdade , e uma coisa é certa o Egipto jamais será o mesmo e esse desejo de mudança alastrar-se-á sepor todo o mundo , como disse alguém : o povo tem o destino nas suas mãos , mesmo que esse destino seja sangrento .
Sempre vamos adiando e assim estamos parados no tempo. Eu sei que vozes de burro não chegam ao céu e a minha não não será levada em conta , somos demasiado comodistas , pois nós já elegemos quem lute por nós,será que elegemos?
Ecos de contenção de despesas em nome de um défice que os iluminados não conseguem controlar ou não querem, ecos da extinção de alguns concelhos no nosso território.Não será agora que vão conseguir a extinção do nosso concelho?